Doidivana

blog da escritora Ivana Arruda Leite

SOLIDÃO É UMA ROUPA CONFORTÁVEL

15 comentários

(Foi com tristeza que li no domingo passado que aquela seria a última edição da Revista da Folha. Durante o ano de 2004 eu escrevi qunzenalmente a coluna Mulher na Revista. Bons tempos aqueles! Eu tinha publicado meu primeiro livro de contos e a revista me trouxe mais leitores do que eu conseguiria em toda a minha vida de escritora. É incrível como, ainda hoje, muita gente associa o meu nome à coluna que terminou há cinco anos. Aliás, foi ela que me trouxe ao blog. Quando a coluna terminou, sem saber o que fazer com meus queridos leitores, resolvi abrir o Doidivana. Numa homenagem póstuma, publicarei aqui algumas das crônicas que escrevi à época. Também eu quero matar a saudade).

Se a solidão é inevitável, o melhor a fazer é relaxar e usufruí-la. Pra que ficar remando contra a maré? Além do mais, quem decretou que a melhor forma de viver é de mãos dadas com alguém pela estrada a fora? Do jeito que as coisas andam, parece que estar sozinho é ser portador de um defeito grave. Grave e contagioso.

Eu sou destas mulheres que você já cansou de ver por aí no hall do cinema sozinha, viajando sozinha, comendo sozinha num restaurante. Nunca deixei de fazer nada na vida por não ter companhia. Nada mesmo. A única coisa chata é o olhar de piedade que as pessoas te lançam. “Coitada”. O que elas não sabem é que ali pode estar alguém que é dona do próprio nariz, que só faz o que quer, na hora que quer, do jeito que quer. Isso tem preço? Muitas vezes sou eu quem passa mal ao ver os casais ao redor. Duas alianças cercadas por uma úlcera.

Eu tenho muitas amigas casadíssimas que dariam tudo pra levar a vida que eu levo: livre, barriguda e feliz, mas morrem de medo da solidão.

Batalhei muito até aprender a não colocar meu bem-estar na dependência de um possível companheiro e isso fez de mim uma pessoa melhor. A ansiedade diminuiu, eu  parei de sufocar as pessoas e (pasmem) meus amigos aumentaram em gênero, número e qualidade.

Claro que ninguém planeja ficar sozinho. Acontece. E é ótimo quando não se sofre por isso. A solidão é uma roupa pra lá de confortável se você veste sem medo.

Há um tempo atrás, minha filha foi morar com um rapaz. Em casa, ficamos só eu e a Princesa, minha cachorrinha. No começo estranhei o silêncio, o telefone desocupado, o orçamento doméstico visivelmente deflacionado. Me lambuzei do mel que eu nunca tinha provado. Mas os casamentos duram pouco hoje em dia. Depois de um ano e meio, eis que ela volta de mala e cuia. Hoje nós moramos juntas de novo, e assim será até que ela arranje um emprego que lhe permita cuidar da própria vida (está desempregada, a pobre), ou um marido que a faça feliz. Sim, porque o sonho da minha filha é casar e ser feliz para sempre. Quando isto acontecer, eu ficarei ainda mais só: a Princesa morreu na semana passada.

Autor: Doidivana

escritora de forno e fogão

15 thoughts on “SOLIDÃO É UMA ROUPA CONFORTÁVEL

  1. Sempre morrei só, desde os meus 18 anos. Dez anos se passaram e percebo o quanto maturei em todos os sentidos…. Claro ,quando me comparo com amigos que ainda vivem debaixo das asas dos genitores. Vejo isso tudo em zoon… Eu ma amo!

  2. Adorei ler novamente a crônica. Eu sou uma das órfãs da sua coluna na revista e hoje, me sentindo um pouco “blue”, pensava sobre a solidão. Que bom vc ter publiado aqui. Me fez lembrar que a solidão é um presente, não uma tristeza.
    Obrigada

  3. A solidão é a atmosfera da alma, sem ela não há vida possível.

  4. Querida:
    Bela idéia republicar esses textos!
    Beijinhos,
    Z

  5. Sorte de quem sabe que a solidão pode ser um dom.

  6. Obrigado por republicar!
    Espero um dia me acostumar com essa roupa que, atualmente, me cai desconfortável e que incomoda muito do tanto quanto aperta, espeta e sufoca…
    Confio na sabedoria dos seus textos. Bj.

  7. Coincidência, no blog 02 Neurônio o assunto do post atual é igual. É muito bom ficar sozinha, adorei morar sozinha e tenho saudade, só que hoje, casada, às vezes sinto o preconceito ao contrário, das solteiras. Mas o importante é ser feliz, sozinha ou acompanhada, né mesmo.

  8. Vivo com minha companheira, mas a casa de minha filha é no mesmo terreno, e tem o genro o neto, os gatos, e os amigos todo fim de semana.
    Gostaria de experimentar um pouco de solidão de vez em quando, deve ser bem confortável mesmo.

  9. Não está para mim como releitura. Que bom que posso ler o que, na época, não tive oportunidade. Doidivino!!!!

  10. Tudo tão diferente e tão igual… beijo

  11. Ah, que roupa confortável, boa de ficar em casa, boa de ir ao parque… O que dói é o olhar alheio, querendo lhe meter na moda. Danem-se eles, juntos. Beijo, Ivana, de seu leitor e quiçá parente distante.

  12. cara ivana,
    num misto de salvação e abandono li seu texto. ótimo!
    bj.
    marize castro

  13. Ivana, quanta água já correu. Que delícia ler esses textos de novo. Beijos!

  14. Obrigada, querida. Vou colocar todas aqui. Aguarde. Beijos

  15. Linda crônica, Ivana. Presenteie seus leitores com mais textos como esse. Realmente é uma sensação estranha de perda quando vemos algum objeto que nos trouxe muita felicidade no passado tornar-se, fisicamente, apenas uma lembrança.
    Bjs

Deixe uma resposta para andrea del fuego